Documentos finais da COP30 fazem menção inédita a afrodescendentes

AGÊNCIA BRASIL
Uma das marcas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), encerrada no sábado (22), em Belém, é a menção inédita aos afrodescendentes. 
O termo consta em quatro documentos oficiais aprovados no encontro que busca meios para combater o aquecimento global, mitigar e adaptar os impactos sobre o planeta.
A citação aos afrodescendentes aparece nos documentos Transição Justa, Plano de Ação de Gênero, Objetivo Global de Adaptação e o Mutirão. Todos os textos estão publicados no site da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla em inglês), âmbito sob o qual se realizam as reuniões das edições da COP.
A inclusão ocorre apenas dois dias depois do feriado nacional da Consciência Negra, data que marca o reconhecimento ao elemento afrodescendente na identidade brasileira e, também, que reivindica igualdade racial e combate à discriminação.
Transição Energética
O documento Transição Energética cita a importância de garantir uma participação ampla e significativa “envolvendo todas as partes interessadas relevantes”, e lista trabalhadores afetados pelas transições, trabalhadores informais, pessoas em situação de vulnerabilidade, povos indígenas, comunidades locais, migrantes e deslocados internos, pessoas de ascendência africana, mulheres, crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência”.
Em outro ponto ressalta que trajetórias de transição devem respeitar e promover e cumprir os direitos humanos desses grupos.
Adaptação e Gênero
O documento Objetivo Global de Adaptação aponta as contribuições de crianças, jovens, pessoas com deficiência, povos indígenas e comunidades locais, pessoas de ascendência africana e migrantes “para a adaptação, bem como a importância de considerar questões de gênero, direitos humanos, equidade intergeracional e justiça social, e de adotar abordagens participativas e totalmente transparentes”.
O texto Plano de Ação de Gênero reconhece a contribuição de mulheres e meninas de ascendência africana para a ação climática.
Mutirão
O Mutirão, classificado pela presidência brasileira da COP30 como um “método contínuo de mobilização que começa antes, atravessa e segue além da COP30”, enfatiza o “importante papel e o engajamento” de grupos que não são as partes (países signatários da UNFCCC). Entre os citados figuram povos indígenas, comunidades locais, pessoas de ascendência africana, mulheres, jovens e crianças.
Esses grupos, segundo o texto, apoiam as partes e contribuem para o “significativo progresso coletivo em direção aos objetivos de longo prazo do Acordo de Paris”.
O Acordo de Paris, lançado na COP21, em 2015, reúne ações globais em resposta à ameaça da mudança climática, como a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Avanço maior
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, celebrou o reconhecimento do encontro internacional.
“Com esse passo, a COP30 reconhece, formalmente, que as populações afrodescendentes são as mais afetadas pelas mudanças climáticas”.
No entanto, a ministra reconhece que ainda é preciso avançar na proposição de ações concretas.
“É preciso pensar políticas climáticas inclusivas, que considerem não apenas a realidade dos territórios, mas quem vive em periferias e outros locais desproporcionalmente impactados pelo racismo ambiental”, completou, em nota publicada no site do ministério.
Pressão popular
O ministério reconhece que a pressão de movimentos da sociedade civil também foi um elemento que levou ao reconhecimento do protagonismo de afrodescendentes.
O Geledés Instituto da Mulher Negra, uma organização da sociedade civil, foi um dos atores que participaram das articulações.
A ONG celebra a inclusão e parabeniza os negociadores brasileiros. O instituto classifica o feito como um “avanço” na política climática internacional.
“As populações afrodescendentes na diáspora global estão entre as mais impactadas pela crise climática e, ao mesmo tempo, figuram como protagonistas de soluções, saberes e práticas de resiliência em seus territórios”, justifica.
Na avaliação do Geledés, o reconhecimento não se trata de um gesto simbólico.
“Abre caminho para políticas climáticas mais justas, eficazes e enraizadas nas realidades dos territórios historicamente afetados por desigualdades estruturais”, afirma em nota.
“Esse resultado nos dá a possibilidade de cobrar políticas públicas de adaptação que priorizem quem de fato está mais vulnerabilizado pelos efeitos das mudanças climáticas e necessita de recursos e capacidades institucionais agora”, completa.
Início na COP16
A inclusão de afrodescendentes é um passo seguinte ao encontro da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (COP16), que ocorreu há um ano em Cali, na Colômbia.
Em decisão também inédita à época, a conferência reconheceu a participação de povos indígenas, quilombolas e comunidades em temas ligados a preservação da natureza.


