Paraíba

MPT/PB resgata mais de 110 trabalhadores em condições de trabalho semelhante à escravidão



PARAIBA.COM.BR

Número de resgatados na Paraíba este ano chega a 225 e já é 324% maior do que em 2024

 

Com baixa escolaridade, trabalhadores estavam em alojamentos precários, insalubres e muitos deles dormiam no chão. Comida era insuficiente. Eles vieram de vários municípios do interior da Paraíba e ainda dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro

 

 

23/07/2025 – Uma operação resgatou 112 trabalhadores em condições degradantes de trabalho e análogas à escravidão, em obras da construção de edifícios em João Pessoa e Cabedelo, na Paraíba. A ação realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF) começou no último dia 14 e foi encerrada hoje (23). Os resgatados trabalhavam em obras de oito empresas, vieram de pelo menos 20 municípios do interior da Paraíba e ainda dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

 

Somente este ano na Paraíba, foram resgatados de trabalho análogo ao de escravo 225 trabalhadores, o que significa um aumento de 324% em relação a todo o ano de 2024, quando foram encontrados 53. Dos 225 resgatados este ano no Estado, 213 (94,6%) estavam em atividades da construção civil, nos municípios de João Pessoa e Cabedelo.

 

“Foram 10 dias de operação, 18 fiscalizações e, em oito empresas, foram encontrados 112 trabalhadores em situação análoga à escravidão, em condições degradantes de trabalho. Eram situações em que não havia fornecimento de comida suficiente. Muitas vezes, esses trabalhadores recebiam um ovo de café da manhã por dia, não tinham direito a jantar, nem direito à proteína. Então, tinham que trabalhar em atividades muito pesadas de construção civil, sem tanta comida”, afirmou a procuradora do Trabalho Laura Valença, que veio à Paraíba participar da ação.

 

“Os alojamentos estavam em condições precárias. Muitos desses trabalhadores dormindo no chão, colchão no chão, com espuma fina. Além disso, com condições sanitárias precárias, insalubres. Diversas irregularidades foram encontradas, grave e iminente risco nas obras, com muito perigo à vida, as suas condições de saúde, situações bastante graves que aviltavam a dignidade da pessoa humana”, descreveu a procuradora.

 

“A equipe, verificando as condições de degradância extrema nessas obras, se convenceu – com base nos requisitos legais – de que estavam presentes as condições degradantes de trabalho que são consideradas situações análogas à escravidão. Por esse motivo, esses trabalhadores foram resgatados”, explicou Valença.

 

“Muitas vezes, as pessoas têm essa ideia de que a escravidão contemporânea se confunde apenas com a situação de cerceamento de liberdade, seja por retenção de documento, seja por servidão por dívida. Mas, o que a gente encontrou nessa operação diz respeito a uma outra situação que também é de condição análoga à escravidão, que é exatamente essa condição degradante de trabalho que avilta a dignidade do trabalhador”, ressaltou a procuradora.

 

Baixa escolaridade e esperança de melhorar de vida: “A gente fica pela ‘precisão’”, diz trabalhador

 

Baixa escolaridade é o principal dado que preenche a vida e a identidade desses trabalhadores. Eles são pedreiros, ajudantes de pedreiros, gesseiros, carpinteiros, betoneiros, ferreiros, pintores. Todos prontos para o batente e para a semana longe de casa. De tijolo em tijolo, vão construindo paredes, edifícios luxuosos e sonhos que não são deles.

 

“O serviço é pesado, mas a gente fica pela ‘precisão’”, responde, baixinho, um dos trabalhadores que integrava o grupo de resgatados na Paraíba. Receosos, trabalhadores conversaram e alguns depoimentos estão a seguir, mas os nomes verdadeiros foram preservados.

 

‘Leonardo’ (nome fictício), 18 anos, corpo franzino, pele clara, vestia uma camisa de malha azul, a mesma cor que simboliza a luta contra o tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo. Veio de um município do interior da Paraíba. Um dos mais jovens do grupo, estava há apenas duas semanas trabalhando como ajudante de pedreiro em uma das empresas notificadas quando foi resgatado. Como outros colegas, não esperava encontrar uma situação tão difícil na Capital. “Era bem cheio lá dentro”, resumiu.

 

‘João’, 63 anos, pedreiro, natural de Alagoa Grande (PB), 4 filhos, 3 netos. “Comecei a trabalhar muito cedo e só estudei até a 2ª série (Ensino Fundamental). Não tinha tempo de estudar. Tive que cair em obra, no meio do mundo… É muito fácil o povo me enganar porque não tenho estudo, só sei mesmo escrever meu nome. Mas meus filhos e netos todos estudam pra ver se melhoram de vida”, contou.

 

‘Antônio’, 59 anos, 2 filhos, natural de Gurinhém (PB), pele morena. “Só fiz até a 3ª série (Ensino Fundamental). Só aprendi mesmo a assinar meu nome. Sou carpinteiro e trabalho desde 1990. Comecei a trabalhar no roçado com 8 anos de idade”, disse.

 

‘Renato’, 25 anos, pele morena, veio de Alagoa Grande (PB) e estava há 5 meses trabalhando como ajudante de pedreiro, em um trabalho exaustivo. “Vou passar por uma cirurgia próxima sexta. Vou me operar de uma hérnia por conta do peso. Trabalhava pegando ferro, muito peso!”, revelou.

 

‘Joaquim’, 30 anos, natural do Recife (PE), há cerca de três meses trabalhando em João Pessoa. “Trabalho como pintor. Comecei com 15 anos de idade”, afirmou.

 

Eles têm idades diferentes e são de várias cidades, mas carregam na bagagem um sonho em comum: “Melhorar de vida”.

 

MTE: “Notificamos todas as empresas”

 

“Na construção civil, nós chegamos a ver um trabalhador com apenas 18 anos, mas também já tinham trabalhadores com mais de 50 anos. Então, a meia idade ali de uma mão de obra bastante ativa, que é o perfil predominante. A grande maioria é do interior do Estado da Paraíba, mas também constatamos pessoas dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Já foram pagos até o momento mais de R$ 700 mil e outros pagamentos ainda serão realizados”, informou a auditora fiscal do Trabalho Gislene Melo dos Santos Stacholski.

 

“Nós notificamos todas as empresas. Ao todo, foram oito empresas com trabalhadores resgatados e todas elas foram notificadas, vieram até nós, fizeram o afastamento dos trabalhadores e, além disso, outros desdobramentos ainda vão ser realizados, vão ser lavrados autos de infração contra os empregadores e daí vai ser dado continuidade dos trabalhos nas outras instituições que participaram da operação”, acrescentou a auditora fiscal.

 

DPU: “O trabalhador é o vulnerável, o hipossuficiente econômico”

 

“As refeições eram com pouca proteína, alojamentos precários, alguns com colchões no chão. Alojamentos sem ventilação, com muito calor. Cada trabalhador comprava seu próprio ventilador. A empresa não forneceu. Boa parte desses alojamentos estavam dentro da obra. Alguns trabalhadores que nós encontramos não tinham nem banheiro dentro do alojamento. O trabalhador é o vulnerável, o hipossuficiente econômico. Então, o papel da Defensoria Pública da União nesse caso específico da área trabalhista é de defender os trabalhadores”, ressaltou a defensora pública federal Izabela Luz.

 

MPT ouve empresas e firma TACs

 

Representantes das oito empresas notificadas foram ouvidos pelo Ministério Público do Trabalho. Segundo a procuradora Laura Valença, cinco das oito empresas firmaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) se comprometendo a corrigir as irregularidades e pagarão danos morais coletivos e danos morais individuais. “Os procedimentos relativos às três empresas que não aceitaram firmar TAC serão encaminhados para a adoção das medidas judiciais cabíveis”, informou. Os trabalhadores resgatados receberão as verbas rescisórias e deverão receber um seguro especial durante três meses.

 

“A partir de agora, cada órgão que participou da operação vai tomar as providências que são cabíveis em seu âmbito de atribuição. O Ministério do Trabalho e Emprego vai lavrar autos de infração, aplicar multas administrativas a esses empregadores, além de providenciar as rescisões e pagamentos das verbas rescisórias desses trabalhadores resgatados, com acompanhamento de perto da DPU. O MPF vai se encarregar da parte criminal para responsabilizar os empregadores encontrados nessa situação. E o Ministério Público do Trabalho vai buscar no âmbito trabalhista responsabilizar esses empregadores, seja por meio da celebração de um TAC no âmbito extrajudicial com pagamento de indenização a título de dano moral coletivo, seja por meio do ajuizamento de ações civis públicas perante a Justiça do trabalho”, informou a procuradora Laura Valença.

 

De onde vieram os trabalhadores resgatados?

1. Alagoa Grande (PB)

2. Alagoinha (PB)

3.Aparecida (PB)

4. Areia (PB)

5. Brejinho (PE)

6. Caaporã (PB)

7. Caldas Brandão (PB)

8. Camaragibe (PE)

9. Campina Grande (PB)

10. Cruz do Espírito Santo (PB)

11. Guarabira (PB)

12. Gurinhém (PB)

13. Ingá (PB)

14. Jaboatão dos Guararapes (PE)

15. João Pessoa (PB)

16. Juarez Távora (PB)

17. Mari (PB)

18. Mogeiro (PB)

19. Mulungu (PB)

20. Natal (RN)

21. Pilar (PB)

22. Pilões (PB)

23. Recife (PE)

24. Rio de Janeiro (RJ)

25. São José do Egito (PE)

26. São José dos Ramos (PB)

27. Sobrado (PB)

28. Sousa (PB)

 

LEVANTAMENTO – RESGATES NA PARAÍBA

 

ANO DE 2025: 225 trabalhadores resgatados

 

JANEIRO 2025 – (Não houve resgate na PB)

 

FEVEREIRO 2025 – 59

59 RESGATADOS – JOÃO PESSOA e CABEDELO – CONSTRUÇÃO CIVIL (Os resgates ocorreram em obras de prédios de luxo no bairro de Manaíra, na Capital, e nas praias do Poço e Ponta de Campina, no litoral de Cabedelo, entre os dias 3 e 5 de fevereiro).

 

MARÇO 2025 – 12

12 RESGATADOS – Sendo seis em uma PEDREIRA de CAIÇARA e seis em OBRAS de CALÇAMENTO com paralelepípedos em SERRA BRANCA, no Cariri paraibano.

 

ABRIL 2025 – (Não houve resgate na PB)

 

MAIO 2025 – 33

33 RESGATADOS – CABEDELO (CONSTRUÇÃO CIVIL) – Os resgatados trabalhavam em obras de três construtoras, nas praias de Formosa e Camboinha.

 

JUNHO 2025 – 9

9 RESGATADOS EM JOÃO PESSOA (CONTRUÇÃO CIVIL).

 

JULHO 2025 – 112

112 RESGATADOS – JOÃO PESSOA E CABEDELO (CONSTRUÇÃO CIVIL) – Os resgatados trabalhavam em obras de 8 EMPRESAS.

 

2024 – 53 trabalhadores resgatados

 

JUNHO 2024 – 17

17 RESGATADOS – TAPEROÁ – PEDREIRAS.

 

DEZEMBRO 2024 – 36

13 RESGATADOS – ITAPOROROCA – PEDREIRAS

23 RESGATADOS – JOÃO PESSOA – CONSTRUÇÃO CIVIL

 

2023 – 62 trabalhadores resgatados

 

DEZEMBRO 2023 – 62

62 RESGATADOS – ZONA RURAL DE CAMPINA GRANDE (PEDREIRAS).

 

DENUNCIE!

 

Denúncias de trabalho análogo ao de escravo e de aliciamento de pessoas para fins de trabalho escravo podem ser feitas no site do MPT na Paraíba (www.prt13.mpt.mp.br/servicos/denuncias), pelo portal nacional do MPT (www.mpt.mp.br), pelo aplicativo MPT Pardal, pelo Disque 100 e também pelo site www.ipe.sit.trabalho.gov.br (do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE). Na Paraíba, o MPT também recebe denúncias pelo WhatsApp (83- 3612-3128).

 






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